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O artigo “Letramento em Saúde ou Health Literacy” foi escrito em parceria entre Sônia Cavinatto e Rosa Colombrini. Sônia é Mestre em Saúde Coletiva e Enfermeira Educadora da QualiClínica Escola e Rosa é Mestre em Enfermagem e Consultora Sênior da AtosInova Saúde.

Perguntas que todos fazem: o que é Letramento em Saúde ou Health Literacy? O que isso tem a ver com a prática do profissional da saúde? Eu faço letramento em saúde na clínica? E na gestão? Por essas e tantas outras perguntas, queremos estimular a reflexão sobre algo que fazemos na prática clínica e na gestão, diariamente, por anos a fio, sem muitas vezes pararmos para pensar sobre como o fazemos.

Isto mesmo: falamos, conversamos, escrevemos, abordamos nossos pacientes, suas famílias e nossos colaboradores e colegas. Ou seja, nos comunicamos o tempo todo, entre nós profissionais e com nossos pacientes e familiares.

Profissional da saúde: o letramento em saúde é fundamental para você

O profissional da saúde participa ativamente do processo de comunicação durante toda vida. Nos hospitais, clínicas, centros de saúde, nas áreas assistenciais, de gestão ou de apoio. Diuturnamente nos comunicarmos verbalmente, por escrito, com o conhecimento e a cultura que adquirimos ao longo da vida, por números, por gestos, ações e até por olhares.

Venha junto conhecer um pouco mais sobre usar o letramento para se comunicar!

Conceitos básicos

O conceito trazido pelos dicionários da língua portuguesa para letramento é: substantivo masculino, que envolve um processo pedagógico de aquisição e domínio da capacidade de ler, escrever e interpretar textos; alfabetização que demonstra o nível de letramento dos alunos.

Já comunicação é definida como: ato que envolve a transmissão e a recepção de mensagens entre o transmissor e o receptor, através da linguagem oral, escrita ou gestual, por meio de sistemas convencionados de signos e símbolos.

Conceito fundamental

Letramento em Saúde (LS) ou Health Literacy foi definido em 1995 como a capacidade de achar, comunicar, processar e compreender informações básicas em saúde para se tomar decisões adequadas sobre a própria saúde.

Também pode ser sobre o fato de uma pessoa interagir e usar as informações disponíveis para participar da sociedade de forma ativa, desenvolvendo seu potencial como cidadã.

Áreas de habilidades no LS:

  • Conhecimento cultural e conceitual
  • Literacia oral: falar e ouvir
  • Literacia impressa: ler e escrever
  • Numeracia: lidar com números

Impactos do (não) letramento em saúde

Estudos mostram como o “não” letramento em saúde poderá impactar e comprometer os resultados esperados nos tratamentos recomendados aos pacientes.

O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em 2018, avaliou que havia 11,3 milhões de pessoas analfabetas com 15 anos ou mais. Se todos residissem na mesma cidade, este lugar só seria menos populoso que São Paulo – a capital paulista tem população estimada de 12,2 milhões (https://agenciabrasil.ebc.com.br/).

No Brasil, 29% da população reconhece as letras e os números, no entanto, não compreendem textos, não conseguem captar as ideias centrais e explicar o conteúdo daquilo que foi lido ou verbalizado. Isso pode ser traduzido como analfabetismo funcional. Pode haver formação escolar em números de anos, porém, não é desenvolvida a habilidade da compreensão das letras, sílabas, palavras, sentenças, números e textos aos quais a pessoa é exposta.

Dessa forma, temos que olhar para esse dado e percebermos que há um grande desafio na saúde: superar a distância que pode existir entre o que nós profissionais falamos e explicamos aos nossos pacientes e o que eles de fato compreendem e executam em seus tratamentos. Outros estudos apontam que é de 50% a taxa média de adesão ao tratamento com as pessoas que vivem com doenças crônicas. São mais de 200 fatores ou variáveis que levam a essa realidade.

Não podemos esquecer que o baixo LS pode ocorrer em qualquer classe social, mesmo em pessoas com sólida formação educacional. O que vivemos atualmente em relação à negação das vacinas é um exemplo disso.

Assim, precisamos nos comunicar com nossos pacientes de tal maneira que eles compreendam o que é necessário ser feito para a recuperação de sua saúde. Para isso, precisamos repensar sobre como expressamos as orientações e informações relativas ao tratamento, aos cuidados de saúde. Este é um primeiro e importante passo para fazermos o movimento de nos comunicarmos com nossos pacientes e colaboradores de tal forma que compreendam o que está sendo comunicado, verbal ou por escrito e que tenham condições de questionar o que for necessário.

O pulo do gato

O pulo do gato é: quanto de abertura e espaço nós cedemos para que os que nos cercam possam nos questionar e perguntar sobre suas dúvidas, não compreensões, falta de clareza do que foi explicado. Tenhamos em conta que, se somos especialistas em nossos saberes, o paciente é o especialista da própria vida. A questão nuclear e incômoda do LS é que a responsabilidade do paciente entender as orientações é do profissional da saúde, não do doente. Portanto, se exige um outro olhar para a relação profissional/paciente, que deve ser firmemente fundamentada na comunicação clara e objetiva.

Questionamentos indispensáveis

Em LS a formulação de três perguntas nos ajuda a compreender a extensão do que desejamos comunicar ao paciente, tendo por princípio que essas perguntas farão parte dos questionamentos dos pacientes de forma inevitável. São elas:

  1. O QUE EU TENHO?
  2. O QUE EU DEVO FAZER?
  3. POR QUE É IMPORTANTE PARA MIM FAZER ISSO?

Uma vez que o paciente responda às perguntas após a orientação, solicitamos o “teach back” (me ensina de volta):

“O senhor(a) poderia me explicar com suas palavras o que conversamos sobre sua doença e tratamento?”

Isso requer que tenhamos empatia com aqueles que estão conosco (Artigo sobre Inteligência Emocional). E uma equipe que possa interagir constantemente com o paciente, para validar seu percurso terapêutico. Nisso reside uma das grandes belezas do LS: contribui enormemente para a segurança do paciente, especialmente aqueles que se cuidam no domicílio.

Considerando nossas dificuldades em saúde no Brasil, ficam claras as dificuldades de se engajar equipes e o tempo necessários para que o LS seja implementado como agenda nas políticas de saúde.

Letramento e Custos na Saúde

Os custos do baixo LS se refletem nas buscas aos serviços de saúde e mesmo internações evitáveis. Estudos realizados nos EUA em 1998 já mostravam que os gastos adicionais com saúde decorrentes do baixo LS alcançavam 73 bilhões de dólares (OMS, 2013). O CDC (Center Disease Control) possui um extenso programa dedicado ao LS buscando minimizar os múltiplos impactos do baixo letramento desde a transmissão de doenças comunitárias à emergência de cepas resistentes aos antibióticos decorrentes da não compreensão das prescrições médicas. Assim, torna-se necessário repensarmos o que de fato é “falta de adesão ao tratamento” e “da não compreensão do mesmo”.

Façamos um exercício: por um momento. Feche seus olhos e pense em você com 6 anos de idade na pré-escola e o professor ou alguém fala a palavra – ZABUMBA.

Qual sua reação?

Bem, a minha foi perguntar para Dona Antonieta: o que é zabumba? E ela generosamente disse que era um instrumento musical, assim como um tambor e que também pode ser chamado de bumbo.

Ficou bem mais fácil não? E além dessa resposta, ela mostrou uma zabumba.

Instrumento musical zabumba

No dia a dia

Este exemplo simples que colocamos acima é para expressar que no dia a dia precisamos perceber quantas “zabumbas” podemos colocar diante de nossos pacientes e colaboradores, sem dar-lhes oportunidade para expressar que não sabem do que estamos falando. A concretude das orientações, permitem utilizarmos junto a todos a andragogia como metodologia de educação que permite ao indivíduo adulto compreender e conseguir expressar dúvidas que possam impactar no seu tratamento, ou no cuidado que será ofertado aos pacientes que estejam sob nossa responsabilidade, quer seja em uma instituição ou em domicílio.

Vamos ver um exemplo prático.

Um exemplo prático vale muito.

Estamos orientando uma pessoa com diabetes: “você precisa diminuir a quantidade de carboidratos que come”.

O que é diminuir? Quanto deve ser diminuído? O que é carboidrato? Perguntas que eventualmente possam estar na mente de quem está nos ouvindo.

Será melhor se utilizarmos uma estratégia mais concreta e objetiva, certo? Assim, como fez Dona Antonieta comigo. Que tal, usar a demonstração de um café educativo? Mostrar quais alimentos tem carboidratos? E o quanto ele precisa reduzir? Na soma do pão, do macarrão, etc que ele ingere por dia.

Sentir, pensar e acolher

Mencionar diabetes nos remete à importância de sentir, pensar e acolher ou demonstrar empatia. O tratamento do diabetes foi, historicamente, o mais afetado por comunicação violenta e por falta de empatia. As ameaças das complicações da doença ocupavam grande parte das consultas médicas e de enfermagem, embaladas como “educação em diabetes”. Há muitos anos, perguntei a uma criança recentemente diagnosticada sobre o que ela sabia do diabetes. “É uma doença que deixa a gente cega e tem que fazer transplante de rim”.  Foi o que a marcou e a seus pais na primeira consulta. Felizmente, tais absurdos são águas passadas e estamos em construção de um novo processo.

Você já passou por uma situação como essa? Já sentiu a necessidade de aprender a se comunicar utilizando estratégias diferentes para com seu paciente e colaborador? Venha aprender conosco mais sobre Letramento em Saúde e compartilhar experiências com um grupo diversificado de profissionais da saúde:

https://atosinovasaude.eadplataforma.com/curso/letramento-em-saude/

Outra história

Ao estudar o conceito de analfabeto funcional ao longo de um estudo queríamos entender e identificar o quanto essa condição (com seu fundamento na educação formal), extrapola os limites da escola e impacta a cidadania e autonomia da pessoa.

O estudo em questão foi com pessoas que vivem com HIV/aids. Vimos o quanto é importante que todos os membros da equipe multiprofissional atuem como educadores. A adesão ao tratamento pode não acontecer se tivermos um “discurso” junto ao paciente que não seja compreensível, tão pouco concreto, com desconexões entre aqueles que são os pacientes confiam e percebem como seus grandes parceiros de jornada na doença crônica ou na doença aguda. Isso faz que em terapias orientadas sejam usados artifícios para a melhor compreensão do paciente que tem dificuldade de compreender o que lê e o que está escrito, como por exemplo, identificar as medicações com símbolos, do sol, do prato e garfo, da lua, entre outros. Assim, é possível construir junto com o paciente e seus cuidadores a compreensão sobre a complexidade do tratamento desta doença crônica, com tantos fatores dificultadores para a adesão ao seu tratamento, evitando agravos da doença e promovendo melhor condição de vida.

Letramento em Saúde e Lean Healthcare

A liderança nas unidades de saúde deve estimular e propiciar espaços e rodas de conversas em equipe multiprofissional, pois isso permite que haja uma linguagem única na equipe. Dessa forma, o núcleo de conhecimento de cada profissão poderá trazer sua contribuição para que o letramento em saúde seja desenvolvido de forma plena, entre os profissionais (primeiramente) e para os pacientes.

Discutir e compreender letramento em saúde é respeitar as pessoas, é prevenir os desperdícios e isso é LEAN!!! (Para saber mais sobre o tema de liderança, veja nosso artigo e também nosso e-book).

Consultoria Lean na Saúde

Caso você queira implantar em sua unidade de saúde a Filosofia Lean, podemos ajudá-lo através de nosso serviço de consultoria.

Para saber mais, consulte:

1. REBRALS: Rede Brasileira de Letramento em Saúde

2. Health literacy. WHO – World Health Organization

3. What Is Health Literacy? Health Literacy – CDC

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